quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O TODO-EU

Minha necessidade de ser todos se extremava. Minha necessidade de completude ía ao extremo. Como um moderno, não tenho lar que me acolha. Acolhe-me em partes: sou muitas partes. Cada lar acolhe um eu meu. Nunca estou completo, um outro eu se anseia, faltante. De um grupo a outro me desloco. Nunca satisfeito, apenas uma sensação efêmera de completude que durará um dia. E a busca não cessa. Sou um buscador/somos buscadores, eu e meus diversos eus: o espiritualista, o intelectual, o dançarino-corporal, o cantor-musical, o prático braçal (talvez o mais tímido), o afetivo-familiar, o esteta. Todos eles como ângulos/partes de uma esfera chamada todo-eu. Esta esfera gira intermitente; quando pára um tanto é porque se iludiu com a sensação de completude; logo tornará a girar para alimentar os outros eus. De certo o eu intelectual seja o mais faminto destes eus, o que mais alimenta a minha "essência".

7 comentários:

Bugre disse...

Sim... para mim talvez não exista sensação mais próxima da morte (Nuestras pequeñas muertes cotidianas) que acomodar-me em um canto, pagando com a busca por completude uma estabilidade qualquer.
Muito bom texto.

Vox Alta disse...

mas eu...
quem sou eu?
pensava que sabia,
que sabia ser alguém...

Adorei suas indagações bem pessoanas.

bjs,
Ju

Vox Alta disse...

Um contrapondo, um eu sólido, quem sabe?, de Álvaro de Campos:

Eu, eu mesmo...
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. —
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...
Tenho um presente? Sem dúvida...
Terei um futuro? Sem dúvida...
Ainda que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...

(postado por Juliana)

Vox Alta disse...

E não se pode esconder o eu obscuro de Fernando Pessoa, ele próprio?...

"Mas eu, alheio sempre, sempre [entrando
O mais íntimo ser da minha vida,
Vou dentro em mim a sombra [procurando."

(postado por Juliana)

Cloreto de Sódio disse...

Acho-te muito borgiano hoje, caro Amigo Rodrigo. Já leste dois textos fantásticos de Jorge Luis Borges, “Borges y yo” e “Veinticinco de Agosto, 1983"? Toca a ler e entenderás o que estou a dizer.
Estão aqui:
http://ar.geocities.com/elspamesmierda/Borges/borges-1983-25_de_agosto.htm e aqui:
http://ar.geocities.com/elspamesmierda/Borges/borges-1983-25_de_agosto.htm
Abraço.
João Luís - Montemor, Portugal

Administrador disse...

Achei interessante o tema do teu texto publicado no blog, que me remeteu para o tema da minha tese de mestrado - O Escritor e o seu Duplo em Bret Easton Ellis - e para Borges, Poe, Hawthorne, Dostoiévski, José Saramago, Paul Auster, Stephen King (entre outros), que lidaram com a problemática psíquica e literária da alteridade e da fragmentação do Eu, fonte de angústia, de desvios e... de morte. Quando a minha tese for aprovada terei muito gosto em enviar-te uma cópia, pois notei que é um assunto que te interessa.
Um forte abraço.
Joõ Luis - Montemor, Portugal

Luz Marina disse...

"Amor será dar de presente ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais última que pode se dar de si."

Oi Rosa, coloquei aqui algo de Clarice Lispector também sobre completude. Beijos
Luz