quinta-feira, 26 de julho de 2007

Campos do Jordão e o imaginário da classe média



Campos do Jordão provê/alimenta/esgota o imaginário de felicidade da classe média da região sudeste. As coisas e a realidade não são; nunca são; mas são construídas pelo imaginário.



As casas que, supostamente, fazem referência à arquitetura de alguma parte da suíça (duvido que de toda, se é que faz), alemã ou sei lá o que, alimentam o imaginário de estar na “Europa” (que Europa? Não se pode generalizar –ah, a da elite francesa ou suíça (?)). Há cargas semânticas deste imaginário espalhados por ali e aqui, vou dizer onde.



As baixas temperaturas, algumas centenas de árvores européias (um adjetivo que não designa nada) estão distribuídas pela cidade. Além disso, os bens de consumo estão potencializados nos comércios locais. Casas suntuosas, automóveis de alta tecnologia, roupas de grife, restaurantes requintados somados ao clima “europeu” proporcionado pela vegetação de montanha compõem o imaginário de felicidade da classe média (também não diz nada, é uma superstição) consumista. Gente ‘bonita” e “bem vestida” (não aos meus olhos) completam este cenário.


Este imaginário de felicidade está farto das desgastadas imagens realistas:simetria, padrão de beleza relacionado aos gostos da classe dominante (quem são estes?). Imagens, meras imagens vazias de sentido cultural e humano. Imaginário coletivo pobre, assentado na imagem visual, a forma mais primitiva de reconhecimento do outro e de si mesmo (Rita Khell). Imaginário destituído de reflexão histórica, de consciência de classe, e principalmente de refinamento estético.

Enfim, Campos do Jordão é tudo do que há de mais monótono e persuasivo da sociedade de consum



Ah, sim, algo interessante: o museu Felícia Leiner, que está ao lado da principal sala de concerto (Auditorio Claudio Santoro) . É o mais belo museu que já vi: ao ar livre, esculturas da artista Felícia Leiner distribuídas por um bosque com antiqüíssimas araucárias. Essas esculturas são uma afronta à pobreza de Campos, pois propõem uma estética inovadora, instiga à dúvida e à reflexão do olhar. Em um domingo movimentado, não é surpresa, o museu estava vazio.



Agasalhar-se no frio diante da beleza natural de Campos, deleitar o paladar com uma saborosa comida e um bom vinho, são delícias inigualáveis para quem pode (ou para quem ousou arrombar o próprio saldo - o meu caso). Essas experiências, até instintivas, são deleitosas, mas disso transformar-se em um festival de consumismo esnobe e grosseiro, eu menosprezo! A banalidade e o emburrecimento, eu não posso suportar.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Êta vida besta!


A vida nos guarda algumas arbitrariedades. Exemplo, a disparidade entre o que pensamos que somos e o que são os nossos. Outrora eu era consoante à minha família, mas agora necessito reencontrar conciliação, pois minhas radicais convicções emudecem nossas conversas.

Estou pensando em uma confissão que ouvi duma amiga, destacada artista. Disse que não crê mais em viagens como possibilidade de desvendar o real, mas sim em experimentar várias camadas do real onde se está. Trata-se de uma reeducação dos sentidos, ou mesmo de uma mera experimentação destes.

Estou convencido de que seremos submetidos a pessoas e situações que nos desagradem na maior parte da vida. Incomodarm0-nos, enfastiarmo-nos, é comum. No entanto, se buscarmos uma inovadora maneira de experienciar ou experimentar esses contextos, quiçá ultrapassaremos aquela primeira camada já dada: desgostamos do ambiente porque não proporciona o que se esperava, nos cansam as figuras porque, reconhecendo suas primeiras conversas, prevemos onde chegará o papo (em lugar algum, dando voltas). Estas previsões e pré-conceitos são só uma generalização mesquinha que criou uma primeira camada de sentido sobre o complexo real. Sair de onde se está, mexer o corpo, observar por outro ângulo, ouvir por outras instâncias e então ousar, perturbar, cutucar, inovar, podem revelar novas camadas de deleitosa realidade.

As visões do caminhar

Estou convencido que só se pode conhecer um lugal palmilhando-o. A pé é que se conhece um sitio. Imaginem, a velocidade de um auto: assemelha-se à velocidade das informações que nos arrebatam; à velocidade com que se sobrepõem as imagens da tv e de milhões de telas que pululam pelos cantos. Conhecer um rincão de dentro de um automóvel, faça-me o favor!, é como perceber o real pela televisão; apreciar um local perdendo-se por suas ruelas é como mergulhar na realidade através das minuciosas páginas de livros (não direi um livro, pois não basta, já que estamos dispostos à tv horas por dia).

Caminhando se (re)conhece um bairro, e a lentidão do caminhar acompanha a da pesquisa do olhar. É necessário, também, educar o olhar, e isto é grave do século XX pra cá. O olhar deve interpretar o que vê, de fato (até onde esta ilusão for possível; o que busco é uma consistência no olhar, que não ouso entender como se dá, e menos a explicá-la).

Palmilhando por Ilhabela vi casebres peculiares, arquitetura singular, que alimentaram meu imaginário sedento. Só caminhando se apreende o espírito dum lugar, que está em suas casoilas e moçoilas que descansam nas varandas e calçadas!

JUSTIFICATIVA


Correm turvas as águas deste rio,


Que as do céu e as do monte as enturbaram;


Os campos florescidos se secaram,


Intratável se fez o vale, e frio.



Passou o Verão, passou o ardente Estio,


Úas cousas por outras se trocaram;


Os fementidos Fados já deixaram


Do mundo o regimento, ou desvario.



Tem o tempo sua ordem já sabida;


O mundo, não; mas anda tão confuso,


Que parece que dele Deus se esquece.



Casos, opiniões, natura e uso


Fazem que nos pareça desta vida


Que não há nela mais que o que parece.


Camões



Quero, ao contrário, fazer com que apareça o que o

imaginário pobre insiste em borrar. (Rodrigo Rosa)