sábado, 1 de dezembro de 2007

CAMINHANDO NA FAVELA


Na favela o esgoto escorre;
A luz me devolve outro mundo;
Tanta belezazinha que ninguém viu;
criançada linda
jovens jovens
velhos touvos
Tanta senhora sem hora chegante
chegadouras sacolas e sacolas
corpo achatado
descendo a ladeira
tanto conversê
gente que gente
menina levando barro
menino que vi trepado no meu quintal
me sorri
mais homi que eu
É beleza assimétrica
É gente gente amontonada
Vi perna deitada na cama
Cheiro de sexo

Pele escura escura
retinta da noite
d’arrabalde
minha favela
no cair da noite
se se desenfurna

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O ocidente em 5 linhas

Era uma vez uma civilização. Aristotélica, platônica, tão logo crística, mártir, dogmática. Entrevada e dantesca, rastejou a seu gostinho e renasceu simétrica. Sôfrega, embarrou-se. Confinada, suspirou romântica. De pronto, científica, exata, objetivamente desumana – controlada, embasbacou-se Dadá, abstrata, concreta; por fim, narcísica. Olvidados os ancestrais, morreu eternamente jovem e feliz para sempre.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

À CRÍPTICA DO MARCOLA, NOSSO MICOTRISTE

Sobre o tom canônico de sua crítica, a pricípio, o li como sátira. Mas fui vendo que não, não houve essa intenção, esse distanciamento que imaginei. Agradeço pela debruçada ante o poema, fizeste bela críptica.

O autor, que sou eu (embora concorde com Foucault, para quem não existe autoria), tem considerações biográficas a fazer. Farei-as de modo anacrônico e desconexo, como convém à escrita da "felicidade", ao ensaio, como escreveu Adorno.Na boca da favela de casa um homem tinha um botequim. Muita cachaça e muita farinha, chamava aos outros de "Oh,comedor!...de farinha". Era um comediante. Também chamava a alguns, quase todos, de "Pé inchado". Se escutava: "Oh, péinchado!", inferindo que o outro era cachaceiro, pois a danada incha os pés e quem muito bebe. Esse pregão sacana que ele rogava ficou como música na minha cabeça.

Numa tarde dura de Sol, (dum trampo fudido que eu tinha, que caminhava o mundo e não ganhava um puto) dei-me com uma estação de trem perto de Pirituba. Cercada horrendamente por estacas de ferro e arame farpado, a estação se defendia da cidade. Entrei e vi um grupo de uns vinte garis, de trajes amarelos d’oiro, carpindo entre trilhos. Os danados estavam ali, entre o muro horroroso de arame farpado e o trilho mortal do trem. Carpiam e carpiam, suavam, eram homens de meia idade. Meu pai poderia estar ali, pensei, pois se encaixava àquele perfil.

O ensaio pode terminar aqui, pois não tem o compromisso de fechar uma idéia. Está tudo aí, que ajunte os signos o leitor.(Os dois leitores que tenho, se é que chegam a dois).

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Amor ou afeto?

Fico pensando em algumas questões cruciais da vida, como amizade e afeto, paixão e relacionamento amoroso. Não digo a palavra amor, pois é proibida.

A amizade, acredita-se, é um querer estar junto desinteressado. O afeto é uma necessidade de estar junto no qual já não se sente nada. O relacionamento amoroso, quando ainda não é afeto ou fora amizade, é interesse puro.

Paro o tempo para pensar em aspectos fundamentais da vida, a amizade, que é natural, inconquistável e dada de graça. O relacionamento, que é um jogo de interesses e desejos, e o afeto, que é morno morno, mas danado de profundo.

Reflexiono sobre ervas do pensamento, arbustos do coração, tratores que destroçam tudo, sóis vastos de luz intensa; o "amor é bobagem que a gente não explica". Sempre uma gozação para a vida pública e sentido primeiro da vida privada, alicerce de todos os ânimos. O amor é tornado que entorna o vinho da ilusão e o agro da desilusão.

Como o maior dos monges, queria não desejar. Nada arquitetar na mente, nada ver ruir. Forjar parte de si e vê-la desmanchar-se é deveras doloroso.

Amizade o que é? Se cultiva? Se conquista ou é só convivência?
Vejam vocês que para a vida pública o afeto é superior ao relacionamento amoroso breve, sendo este até estigmatizado. Parece, assim, que a organização pública tende a privilegiar alguns comportamentos que visam mais à preservação da espécie, o que é mais propício ao desenvolvimento da comunidade. Curioso, não é?

Sem embargo, quanto à amizade, afeto e amor, sigo patinando, sem nada saber.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Campos do Jordão e o imaginário da classe média



Campos do Jordão provê/alimenta/esgota o imaginário de felicidade da classe média da região sudeste. As coisas e a realidade não são; nunca são; mas são construídas pelo imaginário.



As casas que, supostamente, fazem referência à arquitetura de alguma parte da suíça (duvido que de toda, se é que faz), alemã ou sei lá o que, alimentam o imaginário de estar na “Europa” (que Europa? Não se pode generalizar –ah, a da elite francesa ou suíça (?)). Há cargas semânticas deste imaginário espalhados por ali e aqui, vou dizer onde.



As baixas temperaturas, algumas centenas de árvores européias (um adjetivo que não designa nada) estão distribuídas pela cidade. Além disso, os bens de consumo estão potencializados nos comércios locais. Casas suntuosas, automóveis de alta tecnologia, roupas de grife, restaurantes requintados somados ao clima “europeu” proporcionado pela vegetação de montanha compõem o imaginário de felicidade da classe média (também não diz nada, é uma superstição) consumista. Gente ‘bonita” e “bem vestida” (não aos meus olhos) completam este cenário.


Este imaginário de felicidade está farto das desgastadas imagens realistas:simetria, padrão de beleza relacionado aos gostos da classe dominante (quem são estes?). Imagens, meras imagens vazias de sentido cultural e humano. Imaginário coletivo pobre, assentado na imagem visual, a forma mais primitiva de reconhecimento do outro e de si mesmo (Rita Khell). Imaginário destituído de reflexão histórica, de consciência de classe, e principalmente de refinamento estético.

Enfim, Campos do Jordão é tudo do que há de mais monótono e persuasivo da sociedade de consum



Ah, sim, algo interessante: o museu Felícia Leiner, que está ao lado da principal sala de concerto (Auditorio Claudio Santoro) . É o mais belo museu que já vi: ao ar livre, esculturas da artista Felícia Leiner distribuídas por um bosque com antiqüíssimas araucárias. Essas esculturas são uma afronta à pobreza de Campos, pois propõem uma estética inovadora, instiga à dúvida e à reflexão do olhar. Em um domingo movimentado, não é surpresa, o museu estava vazio.



Agasalhar-se no frio diante da beleza natural de Campos, deleitar o paladar com uma saborosa comida e um bom vinho, são delícias inigualáveis para quem pode (ou para quem ousou arrombar o próprio saldo - o meu caso). Essas experiências, até instintivas, são deleitosas, mas disso transformar-se em um festival de consumismo esnobe e grosseiro, eu menosprezo! A banalidade e o emburrecimento, eu não posso suportar.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Êta vida besta!


A vida nos guarda algumas arbitrariedades. Exemplo, a disparidade entre o que pensamos que somos e o que são os nossos. Outrora eu era consoante à minha família, mas agora necessito reencontrar conciliação, pois minhas radicais convicções emudecem nossas conversas.

Estou pensando em uma confissão que ouvi duma amiga, destacada artista. Disse que não crê mais em viagens como possibilidade de desvendar o real, mas sim em experimentar várias camadas do real onde se está. Trata-se de uma reeducação dos sentidos, ou mesmo de uma mera experimentação destes.

Estou convencido de que seremos submetidos a pessoas e situações que nos desagradem na maior parte da vida. Incomodarm0-nos, enfastiarmo-nos, é comum. No entanto, se buscarmos uma inovadora maneira de experienciar ou experimentar esses contextos, quiçá ultrapassaremos aquela primeira camada já dada: desgostamos do ambiente porque não proporciona o que se esperava, nos cansam as figuras porque, reconhecendo suas primeiras conversas, prevemos onde chegará o papo (em lugar algum, dando voltas). Estas previsões e pré-conceitos são só uma generalização mesquinha que criou uma primeira camada de sentido sobre o complexo real. Sair de onde se está, mexer o corpo, observar por outro ângulo, ouvir por outras instâncias e então ousar, perturbar, cutucar, inovar, podem revelar novas camadas de deleitosa realidade.

As visões do caminhar

Estou convencido que só se pode conhecer um lugal palmilhando-o. A pé é que se conhece um sitio. Imaginem, a velocidade de um auto: assemelha-se à velocidade das informações que nos arrebatam; à velocidade com que se sobrepõem as imagens da tv e de milhões de telas que pululam pelos cantos. Conhecer um rincão de dentro de um automóvel, faça-me o favor!, é como perceber o real pela televisão; apreciar um local perdendo-se por suas ruelas é como mergulhar na realidade através das minuciosas páginas de livros (não direi um livro, pois não basta, já que estamos dispostos à tv horas por dia).

Caminhando se (re)conhece um bairro, e a lentidão do caminhar acompanha a da pesquisa do olhar. É necessário, também, educar o olhar, e isto é grave do século XX pra cá. O olhar deve interpretar o que vê, de fato (até onde esta ilusão for possível; o que busco é uma consistência no olhar, que não ouso entender como se dá, e menos a explicá-la).

Palmilhando por Ilhabela vi casebres peculiares, arquitetura singular, que alimentaram meu imaginário sedento. Só caminhando se apreende o espírito dum lugar, que está em suas casoilas e moçoilas que descansam nas varandas e calçadas!

JUSTIFICATIVA


Correm turvas as águas deste rio,


Que as do céu e as do monte as enturbaram;


Os campos florescidos se secaram,


Intratável se fez o vale, e frio.



Passou o Verão, passou o ardente Estio,


Úas cousas por outras se trocaram;


Os fementidos Fados já deixaram


Do mundo o regimento, ou desvario.



Tem o tempo sua ordem já sabida;


O mundo, não; mas anda tão confuso,


Que parece que dele Deus se esquece.



Casos, opiniões, natura e uso


Fazem que nos pareça desta vida


Que não há nela mais que o que parece.


Camões



Quero, ao contrário, fazer com que apareça o que o

imaginário pobre insiste em borrar. (Rodrigo Rosa)