domingo, 30 de março de 2008

A PUBLICIDADE E O MODO DE VIDA

Nosso modo de vida e seu planejamento são construídos por nós?

Relaciono estas questões ao refinamento estético e ao famigerado “nível cultural”. Neste âmbito, penso como a publicidade, veiculada principalmente pela televisão, é a causa principal do modo de “vida besta” que levamos.

Eu não quero acreditar que haja em essência pessoas que desejam viver e realizam-se com o que concerne apenas a suas necessidades “animais”, com um extrato pobre de nutrientes culturais
[1] (conceito muito melhor do que “nível”). Creio que o problema seja que as pessoas “em geral” estão convivendo com anormalidades que lhes parecem normais, com doenças que parecem saúde (não me aprofundo filosoficamente nestes termos: ninguém dirá que diarréia é normal, e, considerarei como doença o que para minha sã consciência parece anormal) – me refiro a uma vida que se satisfaz com cultura de baixos nutrientes. É como quem comesse só pão (o que é comum na favela) e se satisfizesse só com isso, porque de fato mata a fome. Na favela isto acontece por falta de opções, tanto econômicas quanto outras. Todavia, no que tange aos alimentos culturais, em parte é por falta de opção, outra por falta de tradição e a maior é devido à dominação. Dominação da publicidade e do marketing, que são o motor da destruição do mundo, para ser sucinto. Esta é a grande questão das minhas reflexões.

A publicidade utiliza recursos psicológicos, cognitivos e culturais, resultado de pesquisas seríssimas de grandes universidades. Não é a toa que faz o estrago que faz. Ela torna necessidades supérfluas em fundamentais, causa uma espécie de bestialização na forma de pensar
[2] e vicia os consumidores em baixos nutrientes culturais[3]. Ingênuos somos nós, e nós é que estamos dando nossas vidas para o triunfo dessas empresas terríveis.

Nossa educação é falha, está em crise e não dá conta de proteger as pessoas dessa dominação. O Estado até que se sensibilizou um pouco, por ocasião de algumas boas almas de implantar promoções de leitura, tudo ainda muito incipiente. Mas um povo desse “ta dominado” fácil, fácil – veja, você, na década de 60 o analfabetismo era de 70 % !

Ninguém escapa da publicidade, ela está em toda parte, porém ao menos dentro de nossa casa nós poderíamos nos prevenir um pouco dela. Seu maior veículo sem dúvida é a televisão. E tornou-se cultural, neste país, deixar a tevê ligada a todo momento como fundo de conversa e também expor nossas crianças por horas a fio a este veículo, como se nisto não houvesse problema. A década de 90 nos mostrou uma geração consumista, banal, bestializada, enfim, dominada por estes novos mecanismos, certamente em parte devido a tevê.

Na USP há uma corrente de estudos sobre o impacto da tevê na formação da identidade latino americana. Na Puc de São Paulo há estudos seríssimos sobre semiótica, coordenados por Norval Baitello, para quem, conforme me disse pessoalmente, “ A tevê presta um desserviço ao refinamento estético”- refinamento estético, este, fundamental para entender a realidade, suas camadas e laços de dominação e poder proteger-se.

Ninguém gostaria de dar a seus filhos uma educação para a bestialização, para o consumismo (ao menos penso eu), para o vício em “burrice”. Então, meus caros, se vocês puderem privar suas crianças da exposição excessiva à televisão, o façam o quanto antes, pois as crianças são as maiores vítimas da publicidade no que ela tem de pior. Contudo, se os próprios pais são viciados em tevê, o problema é mais grave. Vício em imagens não é brincadeira, já é diagnosticado como patologia.

Para finalizar e puxar sardinha para meu lado, não conheço melhor veículo de entendimento do real e, por conseguinte, de proteção e resistência, do que a leitura de literatura. Tarefa árdua e revolucionária na velocidade toda em que vivemos, com nosso tempo livre cooptado ora pelas empresas malditas, ora pela viciante e pobre indústria do entretenimento.

[1] Estudos de semiótica da PUC: http://www.cisc.org.br/html/index.php
[2] Maria Rita Kehl realiza um interessante estudo sobre como as imagens da publicidade televisiva, ao proporcionarem um prazer, limitam a necessidade de pensar (a qual sempre é conduzida pela necessidade de um prazer).
[3] Norval Baitello possui grandes estudos sobre a questão.